Como o marxismo influencia outras correntes
Como o marxismo influencia outras correntes
A ideologia marxista vem sendo refutada pelos pensadores liberais e libertários a mais de um século. Mesmo quando o mundo se deparou com o surgimento da União Soviética (URSS) após a Revolução Russa foi um exemplo disso, os intelectuais mantinham suas críticas.
Mas podemos dizer que mesmo sendo uma ideologia obsoleta a estrutura das ideias de Marx desapareceram? Ou é possível elencar parte da estrutura que se tornaram realidade e seguem vigentes até hoje? A seguir, selecionamos alguns exemplos, que influenciam até mesmo movimentos libertários.
A. Ativismo político
Marx descreve a luta de classes na sociedade capitalista e como o proletariado acabaria tomando o poder das elites dominantes em todo o mundo. O Capital, sua principal obra, é uma tentativa de indicar essas ideias por meio de fatos que podem ser verificados e de análises científicas. Para vários libertários a luta de classe atual é entre indivíduos e comunistas/ estadistas que são entendidos como a elite cultural e a elite política.
Sendo assim tanto para os marxistas quanto para os anticomunistas (ex.: olavistas) possuem a mesma maneira de interpretar o mundo: a simples ideia de que a história é marcada pela luta entre classes antagônicas: o dominador e os dominados. E neste sentido um grupo de “iluminados” irá se levantar contra o dominador para libertar os dominados. Ou seja, Don Quixote irá se levantar contra o Leviatã e o Papai Noel Alemão com objetivo de abolir a escravidão dos acéfalos cidadãos.
B. A organização do movimento em forma de um Partido Político
Para Buonicore (2017), Marx e Engels pensavam que a futura revolução social e o partido proletariado que surgiria dela deveriam ter uma abrangência internacional. Desde a Revolução Francesa – e da guerra que se seguiu – ganhou corpo a ideia de que a próxima revolução deveria ser continental. Esta compreensão se transferiu para o movimento operário e socialista que estava sendo lapidado.
Entretanto, existiam aqueles que como Proudhon, por exemplo, condenava as organizações partidárias, os sindicatos e as greves como inúteis e prejudiciais à sociedade. Pois para ele os aumentos nos salários, ocasionados pelas greves, apenas causariam o reajuste dos preços que, por sua vez, aumentaria a penúria da classe operária (Buonicore, 2017).
Vale ressaltar que a interpretação de partido de Marx e Engels não era a mesma que a de Lênin. Nada mais natural, pois as condições objetivas e subjetivas da classe operária também não era as mesmas. De todo modo, vimos que em Marx e Engels está presente a necessidade da associação entre os proletários ao redor de um programa radical, porém ainda não havia uma “consciência” mais edificada de um partido perene que convergiria a estratégia, as táticas, o trabalho legal e ilegal. Portanto, em linhas gerais, a natureza e a estrutura de partido, foi gestada no período áureo da Segunda Internacional Comunista e foi originalmente desenvolvida por Lênin no livro Que Fazer? (livro que influenciou Rothbard).
Todavia, diante dos processos reais em seu tempo, Marx e Engels lapidaram a ideia do partido que sintetizasse os objetivos históricos da classe trabalhadora europeia do século XIX. As delimitações do partido foram se moldando e ganhando traços novos diante das experiências empíricas. No entanto, vale a pena destacar cinco pontos que são frutos da organização dos trabalhadores em Marx e Engels e que continuam a influenciar: 1) o partido não pode ser uma seita ou um pequeno grupo voltado para si mesmo; 2) o partido deve estar enraizado no imaginário da classe oprimida; 3) o partido deve intervir de modo decidido nos processos reais em curso e, dele, ir se educando e se forjando como um formador de conceitos e também uma organização de combate; 4) o partido deve ter um programa radical para seu tempo e espaço; 5) o partido deve ser internacionalista.
C. Tentativa de entender a sociedade como um elemento homogêneo
Para os marxistas o materialismo histórico-dialético, é entendido com um processo de análise científica, um método para explicar a realidade social, a partir de posições filosóficas, visando entender todos os aspectos que venham caracterizar o desenvolvimento das forças que movimentam essa sociedade.
Sendo assim, Kosik (2002), apresenta os três níveis subsequentes desta forma de análise: 1. Minuciosa apropriação da matéria, com o pleno domínio do material, incluindo todos os detalhes históricos aplicáveis e disponíveis; 2. Análise detalhada das formas de desenvolvimento do próprio material; 3. Investigação da coerência interna, ou seja, por determinar as unidades das variadas formas de desenvolvimento. No entanto, Kosik adverte quanto a importância de termos o pleno domínio do método de investigação, já que qualquer dialética não passaria de uma especulação vazia.
Quando esses aspectos são alcançados no plano ideal, haverá como que um espelhamento da realidade pesquisada, dando a impressão de uma construção a priori, significando dizer que somente na conclusão da pesquisa, o pesquisador poderá apresentar os seus resultados. Para Kosik a própria exposição já se apresenta como um resultado de uma investigação e apropriação científica crítica da matéria, e essa mesma exposição, como um início mediato, irá conter em seu interior a estrutura de toda a obra. Desta feita, é que o materialismo histórico – dialético constitui um método lógico e intransigente para estudar as relações que ocorrerem na sociedade.
É com esta preocupação que Marx, segundo Pires (2017) deu o caráter material (os homens se organizam na sociedade para a produção e a reprodução da vida) e o caráter histórico (como eles vêm se organizando através de sua história). A partir destas preocupações, Marx desenvolve o Método que, no entanto, não foi sistematicamente organizado para publicação. Podemos encontrar elementos para a compreensão do Método nos primeiros escritos de Marx como na Ideologia Alemã e nos Manuscritos Econômicos Filosóficos, por exemplo, mas é em O Capital, sua mais importante obra, que encontraremos, não uma exposição do Método, mas sua aplicação nas análises econômicas ali empreendidas.
Tal ambição e audácia ainda são utilizadas vários pensadores, inclusive libertários, que a partir de eventos históricos e dos “possíveis” tipos de classes dominadoras e dominadas tentam moldar a realidade atual e enxergam os indivíduos não como seres autônomos e preocupados com a própria existência, mas sim como agentes históricos que são facilmente manipulados dentro da falaciosa guerra cultural.
D. Guerra Cultural
Neste ponto iremos apontar os principais elementos levantados por Trotski e Gramsci em relação ao como expandir a ideologia criada por Marx. Neste sentido na produção marxista pode ser encontrada o entendimento de cultura basicamente em duas perspectivas: ampla e restrita. Na perspectiva ampla, a cultura pode ser compreendida como uma criação do homem, resultante da complexidade crescente das operações de que esse animal se mostra capaz no trato com a natureza, e da luta a que se vê obrigado para manter-se em vida, independentemente de qualquer forma social. É, pois, a cultura o processo pelo qual o homem acumula as experiências que vão sendo capaz de realizar, discerne entre elas, fixa as de efeito favorável.
Partindo da compreensão da realidade com suas contradições e mediações, percebe-se que todas as esferas da vida serão influenciadas e regidas pelas mesmas, o que não é diferente com a produção cultural que, atrelada à produção econômica, apresentará a contradição como elemento central do seu desenvolvimento. “A cultura espiritual é contraditória como a cultura material [...] A cultura é um fenômeno social” (Trotski, 1981). A cultura é, ainda segundo o autor, um momento da maior importância na “opressão de classe”, não obstante, contraditoriamente, também possua um papel importante na luta para a “emancipação socialista”
Reforçando o princípio de que a partir do velho é que poderá surgir o novo, Trotski emprega grande esforço na defesa da apropriação dos bens culturais produzidos pela humanidade até então, principalmente das artes de origem burguesa.
A exemplo apresenta o desenvolvimento da cultura burguesa, que “começou vários séculos antes que a burguesia, por meio de uma série de revoluções, tomasse o poder do Estado. Quando apenas representava o Terceiro Estado, quase sem direitos, a burguesia já desempenhava um grande papel, que crescia sem cessar em todos os domínios do desenvolvimento cultural.
Já a ideia de marxismo cultural faz alusão, na verdade, à visão de outro filósofo comunista, Antonio Gramsci, que fez uma releitura das ideias de Marx e formulou um marxismo diferente, reduzindo o peso do materialismo dialético.
O materialismo dialético de Marx diz que as relações econômicas (capitalistas x proletariado) determinavam a moral, a política, o direito, a religião, a família e a estética (enfim, a cultura) da sociedade. Gramsci, por outro lado, acreditava no contrário: é a cultura burguesa que determina que as relações econômicas sejam capitalistas. Nesse sentido, Gramsci formulou a teoria da hegemonia cultural, que descreve como o Estado usa, nas sociedades ocidentais, as instituições culturais para conservar o poder.
Em contraponto à este posicionamento referente ao poder da cultura, os conservadores começaram a lutar contra o que seria a “ameaça comunista” e que foi utilizada como justificativa para instauração de regimes ditatoriais em dois momentos da história brasileira: A ditadura varguista empregou o chamado Plano Cohen – forjou um plano de tomada de poder pelos comunistas no Brasil para justificar a instauração do Estado Novo. De forma semelhante, em 1964, a ameaça comunista também foi utilizada para justificar o Golpe Militar.
O argumento, portanto, é de que a própria teoria sobre o marxismo cultural seria uma tentativa de gerar preocupação entre a população e implementar outra ideologia – no caso, a conservadora – nos meios culturais, desempenhando justamente o papel que acusavam a esquerda de desempenhar. Ou seja, usar a estrutura de coerção estatal para colocar sua ideologia de forma hegemônica e perseguir quem for contrário. Assim sendo, de igual modo criminalizando a opinião assim como feito pelos comunistas.
O problema que a Guerra Cultural feita contra a burguesia pelos marxistas e contra os comunistas feita pelos conservadores vem influenciando parte dos liberais e libertários. Muitos dos defensores das liberdades individuais vem justificando a necessidade de criação de leis que restrinjam a liberdade de opinião.
E o mais grave. Grupos libertários estão começando a acreditar que a tal “Guerra Cultural” deva ser uma frente de batalha. Esquecendo que os indivíduos são livres para fazer suas escolhas e que cada um deve se preocupar em fazer o melhor para sua vida e para sua família.
E. A síndrome do herói
Como reflexo do item anterior, os marxistas acreditam que tem por obrigação salvar o mundo das mazelas criadas pelo capitalismo. E quem não quer ajudar a mudar o mundo para melhor? A resposta parece óbvia, mas exige reflexão. De que maneira os heróis vermelhos podem realizar uma mudança verdadeira e duradoura?
Sendo assim, a verdadeira transformação do mundo exige um trabalho conjunto de identificação de oportunidades e criação de condições para a multiplicação dessas mesmas oportunidades. O mundo é contraditório por natureza. E essas contradições só podem ser eliminadas quando mexemos nas estruturas em que a sociedade está alicerçada. Por isso a conscientização (via revolução cultural) se faz necessária. Atitudes individuais não mudam o mundo se as bases permanecem intactas.
Para os marxistas a política faz parte de todos os elementos da sociedade pois até ignorar a política é um ato político. Portanto, deve ser levado em conta as condições existentes entre o individual e o coletivo, o particular e o universal, o micro e o macro. Essas condições se retroalimentam. E como o nível micro é cheio de pequenas diferenças, das experiências específicas às questões de desigualdade, a habilidade de escolher no micro é constantemente abafada pelas tendências do macro. A política está aí, influenciando e conscientizando a sociedade o tempo todo.
Não se deve pensar na conscientização como um processo mecânico, ensinado em passos fáceis de ser dados e com os mesmos resultados previstos. Muito menos é um processo natural. Acreditar que por passar por determinadas experiências as pessoas ganham mais consciência social é um equívoco. Isso porque, como escrito por originalmente por Marx que quanto pior o mundo capitalista ficaria, mais a sociedade irá se aproximar dos seus limites, até agirem em busca de mudanças bruscas. Se isso fosse verdade, os momentos históricos em que milhões morreram de fome e em conflitos, não teriam acontecido.
A conscientização não tem fórmula pronta, mas aprendizados, boas práticas, solidariedade, imaginação e instrumentos para serem usados no meio do caminho. E o encontro das consciências em contradição resulta na politização. Para isso, é preciso olhar muito além da superfície. Conectar o individual ao universal é tarefa de grande importância e precisa ser desenvolvido para entender a sociedade e assim transformá-la. Então, na visão marxistas não seria possível apenas tentar transformar uma pequena bolha, porque as mudanças seriam restritas e ficariam vulneráveis. Por isso, desde Marx, o radicalismo se faz necessário para articular mudança, resistência e solidariedade internacionais para mudar o mundo para melhor.
Portanto, a visão de que todo marxista é um soldado na causa de mudar o mundo para melhor também foi abraçada pelos conservadores que promovem a sua contrarrevolução e neste cenário pode ser destacado o filosofo Olavo de Carvalho e o bolsonarismo.
Tal fenômeno vem destruindo o movimento libertário no Brasil. Vários influenciadores abraçaram a roupa do herói e vem defendo políticos na luta contra a possível vitória do comunismo. Ao invés de lutar pela abolição em relação ao estado vários libertários vem defendendo que o estado seja usado como uma barreira contra marxismo.
Neste aspecto fica claro que cada vez mais os conservadores e alguns libertários estão virando marxistas e em breve clamarão por uma ditadura conservadora.