O que deve ser feito

O que deve ser feito

Neste item entra o mais impactante dos intelectuais libertários. Murray Rothbard nunca se limitou em somente gerar conteúdo sobre as ideias da liberdade, ele tentou também apresentar uma possível estratégia para tornar possível a implantação de elementos libertários na sociedade.

Portanto Murray, citando Mises para qual a “ação humana, as pessoas devem necessariamente preferir a obtenção de qualquer fim o mais rápido possível”. E para ele o fim era que as pessoas deixassem de ser escravas do estado. Neste sentido um libertário seria um abolicionista o que o afastaria de adotar o gradualismo como parte de seu objetivo, uma vez que, não existe um “meio” escravo, como escrito pelo próprio Rothbard:

“Por outro lado, se os próprios libertários incorporassem o gradualismo como parte de sua teoria, eles estariam admitindo que algumas coisas são mais importantes, de maior valor do que a justiça e a liberdade em si. E isso seria a morte do ideal libertário. Como afirmou o grande abolicionista e libertário William Lloyd Garrison, “gradualismo na teoria é perpetuidade na prática”.

Frequentemente, é objetado que o abolicionismo é “irreal”, que a liberdade (ou qualquer outra meta social radical) só pode ser alcançada gradualmente. Quer isso seja verdade ou não (e a existência de convulsões radicais demonstra que nem sempre é assim), essa acusação comum confunde gravemente o domínio dos princípios com o domínio da estratégia. Como escrevi em outro lugar:

… Ao fazer tal acusação, eles estão irremediavelmente confundindo a meta desejada com uma estimativa estratégica do resultado provável. Em princípio de enquadramento, é de extrema importância não misturar estimativas estratégicas com o estabelecimento de metas desejadas. Primeiro, deve-se formular seus objetivos, que ... seria a abolição instantânea da escravidão ou qualquer outra opressão estatista que estamos considerando. E devemos primeiro enquadrar esses objetivos sem considerar a probabilidade de alcançá-los. Os objetivos libertários são "realistas" no sentido de que poderiam ser alcançados se um número suficiente de pessoas concordasse com sua desejabilidade ... O "realismo" do objetivo só pode ser desafiado por uma crítica do próprio objetivo, não no problema de como alcançá-lo. Então, depois de decidirmos a meta, enfrentamos a questão estratégica inteiramente distinta de como atingir essa meta [7] o mais rápido possível, como construir um movimento para alcançá-la, etc. Assim, William Lloyd Garrison não estava sendo “Irreal” quando, na década de 1830, elevou o glorioso estandarte da emancipação imediata dos escravos. Seu objetivo era o correto e seu realismo estratégico vinha do fato de que ele não esperava que seu objetivo fosse alcançado rapidamente. Ou, como Garrison. ele próprio distinguiu: "Urge a abolição imediata tão seriamente quanto pudermos, será, infelizmente! uma abolição gradual no final. Nunca dissemos que a escravidão seria derrubada por um único golpe; que deveria ser, nós sempre argumentaremos. ) [ FN3 : Rothbard, Igualitarismo, p. 150. Na conclusão de uma crítica filosófica da acusação de “irrealismo” e sua confusão entre o bem e o atualmente provável, o professor Philbrook declarou: “Apenas um tipo de defesa séria de uma política está aberto a um economista ou qualquer outra pessoa; ele deve sustentar que a política é boa. O verdadeiro 'realismo' é a mesma coisa que os homens sempre quiseram dizer com sabedoria: decidir o imediato à luz do último. ” Clarence Philbrook, “'Realism' in Policy Espousal”, American Economic Review (dezembro, 1953), p. 859.]” Murray N. Rothbard, "Toward A Strategy for Libertarian Social Change" (Abril, 1977)

Então se inspirando nos abolicionistas americanos Rothbard desmonta qualquer argumento em favor dos gradualistas pois mesmo aqueles que aceitam de bom grado a diminuição gradual e condicional do estado poderão ter que se agitar de forma imediata e incondicional contra a coerção estatal quando os governantes já estiverem cerceados todas as individualidades por meio coerção dos governantes.

Rothbard reforçava que a prática de cada um deve ser julgada por critérios adequados ao seu objetivo. A agitação do libertador, reformador ou radical ajuda a definir uma política possível como mais desejável do que outra e, se hábil e intransigente, a agitação pode ajudar a tornar o desejável possível. Para ele criticar o agitador por não reduzir suas demandas ao imediatamente realizável - isto é, por não agir como um político, é perder o foco. Neste sentido o economista americano escreveu:

“Por fim, o levantamento de uma meta como a abolição imediata - seja da escravidão ou do Estado - tem sido criticado por ser “utópico”. Mas é importante distinguir entre um objetivo verdadeiramente “utópico”, que não está sujeito à vontade humana imediata, e um objetivo que está. Típico de um objetivo anterior, que seria impossivelmente utópico, são projetos como "a abolição imediata da pobreza", a criação do "Novo Homem Socialista", etc. Como escrevi em outro lugar, distinguindo entre os dois tipos de "extremo " metas:

Outros objetivos radicais tradicionais (além da liberdade plena) - como a “abolição da pobreza” - são, em contraste com este, verdadeiramente utópicos; pois o homem, simplesmente por exercer sua vontade, não pode abolir a pobreza. A pobreza só pode ser abolida através da operação de certos fatores econômicos ... que só podem operar transformando a natureza por um longo período de tempo. Em suma, a vontade do homem é aqui severamente limitada pelo funcionamento - para usar um termo antiquado, mas ainda válido - da lei natural. Mas injustiças são atos infligidos por um grupo de homens a outro; eles são precisamente as ações dos homens e, portanto, eles e sua eliminação estão sujeitos à vontade instantânea do homem ...” Murray N. Rothbard, "Toward A S/trategy for Libertarian Social Change" (Abril, 1977)

Após demonstrar a necessidade de agir de forma imediata mesmo sabendo que os resultados só poderão ser alcançados no futuro, Rothbard continua estruturando seu pensamento para arquitetar a estratégia para a abolição do individuo em relação ao estado.

Então Rothbard começa a se basear no movimento que parecia no início ser utópico, agressivo e inflexível: socialismo leninista/ revolução bolchevique. Quem na virada do século XIX iria imaginar uma revolução que terminaria no assassinato da família imperial russa? Neste sentido o filosofo americano escreveu

(...) Uma das grandes realizações de Lenin foi perceber a falha crucial na principal perspectiva estratégica do movimento marxista do qual ele era um membro principal. Os marxistas ortodoxos, em certo sentido como “educadores” libertários como Leonard Read e Robert LeFevre nos dias atuais, acreditavam que tudo que se precisa fazer para efetuar uma mudança social radical é transmitir educação ao público (ou à classe trabalhadora), depois disso, essa classe trabalhadora surgiria de alguma forma “espontaneamente” para se livrar das algemas do Estado. Em uma revisão fundamental do marxismo ortodoxo, Lenin, em sua obra – “O que é para ser feito? (1902)” e em outros escritos desse período, percebeu que a confiança na revolta espontânea do corpo dos trabalhadores nunca existiria. (...) Além disso, Lenin, mais uma vez reconhecendo a importância da divisão do trabalho, apontou que nada pode ser alcançado no mundo sem uma organização coerente, sem uma organização para promover e propor a verdade no mundo real. Daí a importância de uma organização de “quadros”, para multiplicar a eficácia de seus membros no apoio mútuo e no avanço das ideias e atividades do movimento de transformação do mundo real. Além disso, Lenin percebeu que meros amadores em qualquer campo de atividade, embora importantes no apoio e no avanço do campo, não chegarão a lugar nenhum por si próprios; que vital para o sucesso de qualquer empreendimento, é um grupo de profissionais, que podem dedicar suas carreiras em tempo integral ao avanço da causa. Esse trabalho em tempo integral aumenta enormemente a profundidade de compreensão e a eficácia de cada membro do quadro e acelera a descoberta e a criação de novos quadros.” Murray N. Rothbard, "Toward A Strategy for Libertarian Social Change" (Abril, 1977)

Na estratégia de Rothbard para gerar mais velocidade na implantação do libertarianismo tal como foi feito com sucesso por Lenin seria de suma importância a formação de uma “elite intelectual” formada por libertários “profissionais” que dedicariam suas carreiras em tempo integral ao avanço da causa da liberdade., o filósofo americano citou a Igreja Católica Romana como um exemplo no qual os sacerdotes e a Cúria Romana vivem unicamente para o desenvolvimento e pregação da fé cristão. Sendo assim, na estratégia rothabardiana os principais intelectuais exerceriam a função semelhante a Cúria Romana.

Nesta estratégia Rothbard volta a se inspirar em Lenin que segundo ele “viu que todo movimento ideológico importante começa necessariamente como um amontoado de pequenos círculos de discussão locais, nos quais cada membro é um amador indiferenciado, cujas ações são “espontâneas” e não planejadas, engajadas sem pensar na estratégia fundamental. Mas em um certo ponto no crescimento de um movimento, uma organização nacional coerente, uma organização dirigida por um quadro de profissionais, torna-se necessária. Ainda se referindo ao pensamento leninista: “sem organização das várias divisões do trabalho revolucionário, sem nenhum plano sistemático de atividade que abrangesse qualquer período de tempo”. Novamente um ponto interessante que podemos traçar paralelo com a Igreja Católica que se mantem forte mais de dois milênios após a sua formação: a hierarquia católica, cadeia de comando da Igreja Católica, é baseada na divisão territorial, que tem como principal unidade a paróquia, comandada vigários paroquiais e padres. Já as dioceses são compostas por paróquias sob a orientação dos bispos. Os bispos, por sua vez, estão subordinados diretamente ao papa. Eventualmente, um bispo pode responder também a um arcebispo, quando uma diocese estiver sob jurisdição de uma arquidiocese (unidade de maior extensão territorial). O chefe da arquidiocese é o arcebispo. E entre os bispos e arcebispos, o papa escolhe os seus cardeais. Na hierarquia da Igreja Católica, o cardeal só está abaixo do papa. E os cardeais compõem o conclave que elege o líder máximo da igreja, após a morte do antecessor. O Papa possui o poder sobre a Igreja do mundo todo e, é evidente, este poder não pode ser exercido somente por ele, ele precisa de uma equipe. A melhor definição de Cúria Romana está no decreto Christus Dominus, publicado pelo Papa Paulo VI (1897 – 1978):

"Para exercer o poder supremo, pleno e imediato sobre a Igreja universal, o Romano Pontífice vale-se dos Dicastérios da Cúria Romana. Estes, por conseguinte, em nome e com a autoridade dele, exercem seu ofício para o bem das Igrejas e em serviço dos Sagrados Pastores." DECRETO CHRISTUS DOMINUS SOBRE O MÚNUS PASTORAL DOS BISPOS NA IGREJA – Papa Paulo VI (1965)

Assim, a Cúria Romana é o corpo administrativo que auxilia o Papa a exercer o seu poder. Na Igreja, todo o poder é exercido como serviço, ou seja, o Padre é o superior da paróquia, mas esse poder é exercido como serviço aos fiéis. Da mesma forma, o Bispo é superior da sua diocese, mas esse poder é exercido em serviço da sua diocese. Com o Papa não é diferente, ele é o superior da Igreja universal, mas esse poder é exercido em serviço dessa Igreja.

Voltando a reflexão de Rothbard em relação as estratégias leninistas na qual a tarefa, de Lênin, era “elevar os amadores ao nível de revolucionários”, de “pessoas profissionalmente engajadas na atividade revolucionária” e que “Sem teoria revolucionária não pode haver movimento revolucionário. Esta ideia não pode ser insistida com demasiada força em uma época em que a pregação da moda do oportunismo anda de mãos dadas com uma paixão pelas formas mais estreitas de atividade prática”

Rothbard faz uma reflexão que a estratégia leninista estava simplesmente implantando teorias a prática empresarial quanto suas organizações a um movimento por mudança social radical. Assim surge o conceito de “centralismo democrático” que mesmo sendo duramente atacado por seus oponentes; embora os métodos democráticos possam ser aplicados para se chegar a uma decisão, que, uma vez que a decisão seja tomada, os membros de uma organização devem cumprir lealmente a decisão e as diretrizes ou seja a combinação da centralização da liderança com a descentralização do esforço do partido – A Cúria Romana e as Dioceses e Paroquias, não cabe ao Padre questionar uma decisão tomada em Roma pelo Papa junto com a Cúria – um modelo de sucesso em relação a divisão do trabalho.

Rothbard continua demonstrando o quanto que a estratégia leninista é importante para estruturação e crescimento das ideias da liberdade, pois segundo ele, não existe dúvida de que os movimentos radicais modernos bem-sucedidos tiveram uma liderança altamente centralizada, como, por exemplo, os nazistas de Adolf Hitler, os fascistas de Mussolini, os comunistas de Mao Tse-tung, a revolução cultural iraniana pelo Aiatolá Khomeini e mais atual podemos apontar a Al Qaeda de Osama Bin Laden.

Entretanto no partido bolchevique de Lenin, por outro lado, o poder centralizado não era exercido somente por um homem, mas pela liderança conjunta do comitê central assemelhando mais com modelo Romano.

E com base nesta estrutura centralizada, hierárquica e altamente organizada é que Rothbard sugere que a criação da Cadre – um partido libertário que não tem como objetivo conquistar a liberdade por meios democráticos (voto) e sim organizar e desenvolver o pensamento libertário para o abolir a escravidão dos indivíduos perante a coerção estatal.

Mas quem seriam os membros da Cadre? Para Rothbard ela deveria ser formada por libertários, grande parte intelectuais, puros, consistentes e radicais quanto aos ideais da liberdade. E estas ideias serão removidas com o tempo e as atitudes mantidas pelo público em geral, e as teorias sistemáticas de acadêmicos ou filósofos políticos são ainda mais removidas com o tempo, de modo que a ênfase em intelectuais e acadêmicos não tem “impacto” imediato na ação social; mas sua influência é muito mais poderosa no longo prazo do que a concentração imediata no público ou na ação política. Ou seja, usando este conceito, no Brasil ainda estamos na faze de formação dos intelectuais. Somente após termos desenvolvido a nossa Cadre é que conseguiremos avançar. Hoje o desenvolvimento do libertarianismo tupiniquim está fragmentado em grupos personalistas e altamente vaidosos que estão mais preocupados com número de seguidores do que criar e desenvolver intelectuais para o avanço da liberdade. Atualmente estes grupos são o maior perigo para o desenvolvimento libertário no Brasil. Pois a pergunta chave não seria quantos seguidores, mas sim o que e como agir tendo um conteúdo libertário desenvolvido para implantar nossas ações contra a opressão estatal. Rothbard então cita Hayek para defender seu posicionamento quanto a importância dos intelectuais e dentre eles dos filósofos:

… O filósofo é em mais de um sentido uma espécie de príncipe entre os intelectuais. Embora sua influência seja ainda mais afastada dos assuntos práticos e correspondentemente mais lenta e mais difícil de rastrear do que a do intelectual comum, é do mesmo tipo e, a longo prazo, ainda mais poderosa do que a do último. É o mesmo esforço em direção a uma síntese, perseguido de forma mais metódica, o mesmo julgamento de pontos de vista particulares na medida em que se encaixam em um sistema geral de pensamento e não por seus méritos específicos, o mesmo esforço por uma visão de mundo consistente, que por ambos formam a base principal para aceitar ou rejeitar ideias. Por esta razão, o filósofo provavelmente tem uma influência maior sobre os intelectuais do que qualquer outro acadêmico ou cientista ... [ FN63 : Hayek, Studies, p. 185. Sobre o papel crucial dos “intermediários intelectuais” na difusão de ideias, ver Fritz Redlich, “Ideas: Your Migration in Space and Transmittal Over Time”, Kyklos (1953), pp. 301–322. O artigo de Redlich é uma tentativa interessante de estabelecer uma tipologia sistemática da transmissão de idéias apud Murray N. Rothbard, "Toward A Strategy for Libertarian Social Change" (Abril, 1977)

O tema do restante do artigo de Hayek, segundo Rothbard, é que a influência do socialismo se originou da oferta dos socialistas de uma visão de mundo sistemática, um corpo geral de ideias aparentemente consistentes que podem servir aos intelectuais; e o público como guia e referência. Em contraste, a influência moderna insignificante dos liberais clássicos deriva do fato de que, depois de obter sucesso parcial em meados do século 19, os liberais na verdade abandonaram seu sistema geral e objetivos em nome de reformas graduais e detalhadas. Em suma, eles trocaram o conjunto geral de idéias radicais que os levaram parcialmente ao seu objetivo, em troca de uma influência de curto prazo com homens de negócios “práticos”.

O resultado foi uma perda definitiva de apoio intelectual ao liberalismo e, portanto, uma perda definitiva de toda a influência sobre os próprios assuntos públicos que eles procuraram ansiosamente orientar.

Hayek, novamente segundo Rothbard, acrescenta que como resultado os desenvolvimentos reais da sociedade foram determinados, “não por uma batalha de ideais conflitantes”, mas pelo contraste entre o status quo existente e o “único ideal de uma possível sociedade futura sustentado” pelos socialistas. Consequentemente, os outros programas oferecidos ao público eram de vários graus de compromisso entre o status quo e o ideal socialista, de modo que o inevitável amplo “meio-do-caminho”, e a sociedade em geral, foi empurrada apenas em uma direção. “Parecia existir apenas uma direção em que poderíamos nos mover, e a única questão parecia ser quão rápido e quão longe o movimento deveria prosseguir.” Nesse ínterim, os liberais clássicos caíram na armadilha de sua aliança com os homens “práticos”, rejeitando qualquer tipo de princípios gerais radicais e se atendo aos detalhes práticos de curto prazo, com resultados no final desastrosos. Como percebemos atualmente o apoio recebido por políticos coletivistas brasileiros por grupos libertários que creem na falácia que é melhor um coletivista menos progressista no poder do que um coletivista mais progressista. É como o escravo escolher entre apanhar 35 chibatas de noite ou as mesmas 35 chibatadas durante o período vespertino.

Assim iremos sempre ouvir dos libertários gradualistas expressões como “prático”, “sensato” e “realista”. E enquanto ele se preocupa com questões imediatas (insolúveis), ele é recompensado com influência, sucesso financeiro, likes e popularidade com aqueles que até certo ponto compartilham de sua visão geral. Mas estes grupos têm pouco respeito com a verdadeira luta pela abolição do estado.

E nós que estamos dispostos a dedicar nosso tempo e recursos para desenvolvimento de uma elite intelectual libertária é que devemos ter aquela realização inspiradora, aventureira, consistente e radical do pensamento libertário para oferecer aos intelectuais e à humanidade a possibilidade de conseguirem se libertar. Somos a resposta ao apelo de Hayek e a convocação de Rothbard.

Rothbard faz um alerta em relação ao fato que esse tipo de tática de choque não funcione para a maioria das pessoas, que serão convertidas mais gradualmente. Isso é particularmente verdadeiro quando o libertário está trabalhando, não face a face e individualmente, onde pode avaliar seus ouvintes, mas em agitação em massa. Nesse tipo de “evangelização”, outra regra sábia seria não chocar. os ouvintes por serem excessivamente radicais na forma. Em suma, os princípios libertários são radicais o suficiente sem alienar desnecessariamente os ouvintes por serem radicais na forma - isto é, de maneiras que não estão relacionadas ao princípio libertário. Assim, o cultivo de maneiras bizarras; rótulos, hostilidade antagônica ao público e à burguesia em geral, só podem ser desnecessariamente contraproducentes.

Neste contexto Rothbard sugere que os libertários devam ser “radicais no conteúdo, conservador na forma”. Já que a posição libertária, por exemplo, está na tradição da Revolução Americana e de grande parte da herança americana, é importante ressaltar essa continuidade, essa realização que buscamos do sonho americano original. E na forma, é importante, portanto, cultivar uma imagem “respeitável” ao invés de uma imagem excêntrica e de ruptura. Por isso, torna-se necessário que o movimento libertário e sua liderança atinjam uma imagem de “respeitabilidade” e autoridade que induza o público a levá-los a sério e a dar ouvidos a suas propostas.

E ao falar sobre a evolução do movimento libertário americano Rothbard faz menção ao movimento que se desenvolveu no final dos anos 1950 e que mais tarde forneceria a vasta base conceitual ao movimento libertário: o movimento objetivista criado por Ayn ​​Rand. A autora de best sellers como A Revolta de Atlas (1957) além de uma série de palestras no início de 1958. O Objetivismo era estritamente estruturado hierarquicamente, com a própria Miss Rand como a líder máxima, transmitindo uma linha estrita em todas as questões concebíveis, variando das mais abstratas para os assuntos mais particulares e concretos. Visto que a obediência absoluta a Rand era a principal qualificação para “filiação”, a Cadre superior do movimento eram aqueles poucos que já haviam demonstrado sua “lealdade” ao se tornarem 100% objetivistas como resultado da leitura de A Nascente. A Cadre Objetivista era nutrida por seminários semanais aos sábados na casa de Rand, e começou com o jovem Nathan Blumenthal e sua noiva.

O livro Revolta de Atlas foi então um marco que foi capaz de servir de base para o primeiro movimento de massa libertário moderno, e por duas razões: (1) a Revolta de Atlas , ao contrário da Nascente, foi um livro explicitamente ideológico e político; e (2) que a considerável capacidade de organização de Branden foi capaz de fundir essa massa incipiente em um movimento genuíno. O Instituto Nathaniel Branden, 'eventualmente estabelecido no simbolicamente heróico Empire State Building de Ayn Rand, fornecia um fluxo constante de livros; panfletos e, acima de tudo, fitas da série de palestras carismáticas de Branden.

Como Rand e seus asseclas foram capazes de impor sua vontade em todo o movimento? Além da influência de seu carisma, um fator foi o fato de que todos os objetivistas entraram no movimento - com base na pura emoção - amor pelo romance. Em seus poucos meses no movimento objetivista, Rothbard, lembra de Branden ordenando a todos que continuassem a reler o livro Revolta de Atlas, mantendo assim todos em um estado emocional continuamente acelerado, com a razão do indivíduo efetivamente suspensa. Em segundo lugar, a maioria dos objetivistas era notavelmente ignorante dos fatos do mundo, ou das disciplinas de história, filosofia ou ciências sociais. A estratégia da Cadre Objetivista era mantê-los ignorante de tudo, exceto da doutrina pregada. Em contraste com a velha tática da Igreja Católica de ter um Índice de Livros Proibidos que os fiéis não tinham permissão para ler, o movimento de Miss Randy tinha um Índice de Livros Permitidos, um pequeno número que eles tinham permissão para ler. Ler qualquer outra coisa - sem dispensa específica e especial para os membros do alto escalão - era considerado como “dar uma sanção ao Inimigo” e qualquer contato com outros movimentos libertários era estritamente proibido e qualquer desvio ou transgressor da linha Randian foi expulso e excomungado.

Entretanto o caráter messiânico de Miss Rand fez com que o movimento não alcance o objetivo da abolição da coerção estatal. Isto aconteceu pois segundo Rothbard: i) uma vez que toda a ideologia era a efusão arbitrária da sua criadora, qualquer um de seus desvios da liberdade nunca poderia ser corrigido; ii) a supressão totalitária do pensamento e do julgamento independentes não é o tipo de mundo que um individualista e libertário deseja alcançar; iii) chamar o movimento objetivista de “sectário” é uma obra-prima de eufemismo. Era impossível para que os seus membros organizem grupos de frente, conversem com outros libertários com ideias semelhantes ou formem coalizões com os “infiéis”; iv) a ignorância sustentada do movimento significava que qualquer pessoa que conhecesse quaisquer fatos ou leis sobre assuntos específicos sobre os quais Rand tivesse uma linha dogmática (virtualmente tudo) não poderia continuar sendo um membro.

A herança maldita de Rand criou um enorme problema para o desenvolvimento do pensamento libertário americano. Em primeiro lugar, para Rothbard, existe o problema da ignorância invencível. Armado com o conhecimento de que ninguém deve iniciar força contra outro, muitos libertários se contentam em permanecer com este axioma e se recusar a aprender os fatos e percepções concretas sobre o mundo real, sobre a história contemporânea ou sobre as ciências sociais. A ignorância resultante sobre questões políticas, economia, relações exteriores ou teoria estratégica é alarmante e endêmica. Isto é tão forte que pode ser facilmente notado no pensamento libertário brasileiro.

Em segundo lugar, há o legado remanescente de várias posições contra a liberdade mantidas por Rand: por exemplo, uma política externa pró guerra (contra o PNA, portanto), uma devoção ao governo americano per se , um apego ao militarismo, um apego ao Estado de Israel. Pontos também absorvidos no nosso movimento tupiniquim.

Em terceiro lugar, há um sectarismo persistente e um alarido da própria "pureza moral" e do "mal" moral de todos os outros. Como no caso de todos os sectários, há uma tendência de elevar todas as táticas mesquinhas - que devem ser tratadas de forma flexível e instrumental - como uma questão de alto princípio moral. Há uma tendência a ignorar as questões maiores em meio a um foco em preocupações mesquinhas e uma falha em reconhecer a necessidade de pensamento estratégico. Opa, olha nossos libertários que vão em manifestação com pauta política mesquinha e vã.

E, finalmente, há uma tendência compreensível, mas infeliz, de alguns descrentes da Ayn Rand de ir totalmente na outra direção, de reagir contra a alegada "racionalidade" excessiva e moralizante do movimento e, portanto, de exaltar a irracionalidade e o capricho, e de abandonar totalmente o princípio moral. Uma reação compreensível contra o culto totalitário de Rand, e assim, rejeitar a liderança e a hierarquia como um todo.

Para Rothbard existe uma estratégia “fabiana” adotada por libertários oportunistas - a ideia de influenciar gradualmente o Estado de cima, de dentro dos corredores do poder. Parte dessa estratégia equivocada vem de um mal-entendido do "sucesso" da tática de infiltração silenciosa nos partidos políticos e escritórios do governo. A estratégia Fabiana de influência silenciosa do topo só teve sucesso no sentido que deu um impulso extra na direção em que o estado estava tendendo de qualquer maneira. Se alguém deseja dar ao estado um impulso extra em direção a sua tendência natural, o estatismo, então a estratégia adequada é dar esse impulso por meio de infiltração silenciosa e pressão sobre o governo e sobre os vários partidos políticos

Rothbard finaliza sua reflexão quanto a história do movimento libertário moderno, afirmando que uma palavra deve ser dita sobre o financiamento real e potencial para o movimento. Um fato marcante sobre o apoio financeiro a todos os movimentos ideológicos não-establishment de nosso tempo, que vão do libertário ao ultraconservador e aos brutalistas, é que há uma alta correlação entre empresários partidários de tais movimentos e aqueles que possuem suas próprias empresas ou cujas corporações são, em grande parte, de propriedade familiar - principalmente quando essas corporações estão fora do nexo financeiro das corporações públicas.