O individualismo e o cristão

O individualismo e o cristão

Antes de apresentar as passagens bíblicas sobre as responsabilidades individuais, é importante, apresentar o pensamento de Robert Nozick que em seu livro Anarquia, Estado e Utopia, considerou a inviolabilidade do ser humano, nenhum indivíduo pode ser forçado a fazer o que não quer. Cada indivíduo nasce com direitos e deveres, que não dependem de outorga estatal.

Neste contexto será analisado algumas Parábolas Bíblicas com foco no ensinamento religioso e a preocupação do Senhor Jesus em demonstrar aos seus seguidores a responsabilidade individual e para tal é necessário buscar a liberdade e o entendimento de cada uma das pessoas como indivíduos únicos.

Jesus disse aos seus discípulos: "O administrador de um homem rico foi acusado de estar desperdiçando os seus bens. Então ele o chamou e lhe perguntou: 'Que é isso que estou ouvindo a seu respeito? Preste contas da sua administração, porque você não pode continuar sendo o administrador'. "O administrador disse a si mesmo: ‘Meu senhor, está me despedindo. Que farei? Para cavar não tenho força e tenho vergonha de mendigar... Já sei o que vou fazer para que, quando perder o meu emprego aqui, as pessoas me recebam em suas casas'. "Então chamou cada um dos devedores do seu senhor. Perguntou ao primeiro: 'Quanto você deve ao meu senhor?' 'Cem potes de azeite', respondeu ele. "O administrador lhe disse: 'Tome a sua conta, sente-se depressa e escreva cinquenta'. "A seguir ele perguntou ao segundo: 'E você, quanto deve?' 'Cem tonéis de trigo', respondeu ele. "Ele lhe disse: 'Tome a sua conta e escreva oitenta'. "O senhor elogiou o administrador desonesto, porque agiu astutamente. Pois os filhos deste mundo são mais astutos no trato uns com os outros do que os filhos da luz. Por isso, eu digo: Usem a riqueza deste mundo ímpio para ganhar amigos, de forma que, quando ela acabar, estes os recebam nas moradas eternas. (Lucas 16:1-9)

A mensagem da parábola enfoca a astúcia do mordomo infiel em fazer provisão para seu futuro. Assim, seu significado indica que muitas vezes as pessoas iníquas se mostram mais precavidas.

Sendo assim, os indivíduos devem se preocupar com o futuro pois mesmos vivendo sob a escravidão do estado é importante construir bons relacionamentos. Pois buscar a liberdade do indivíduo é diferente de se isolar das pessoas

Então lhes disse: "Suponham que um de vocês tenha um amigo e que recorra a ele à meia-noite e diga: 'Amigo, empreste-me três pães, porque um amigo meu chegou de viagem, e não tenho nada para lhe oferecer'. "E o que estiver dentro responda: 'Não me incomode. A porta já está fechada, e eu e meus filhos já estamos deitados. Não posso me levantar e dar a você o que me pede'. Eu digo: Embora ele não se levante para dar-lhe o pão por ser seu amigo, por causa da importunação se levantará e lhe dará tudo o que precisar. (Lucas 11:5-8)

O ponto principal da mensagem que se destaca nessa parábola é o seguinte: ela nos motiva a pedir, buscar e agir. Sendo assim a parábola demonstra um ato individual na busca de atender as necessidades, mesmo que estas foram provocadas por terceiros (no caso o viajante). Então o indivíduo tem que se dispor a agir, na medida do possível, em benefício das pessoas que estão próximas.

Mas ele, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: "E quem é o meu próximo?" 0Em resposta, disse Jesus: "Um homem descia de Jerusalém para Jericó, quando caiu nas mãos de assaltantes. Estes lhe tiraram as roupas, espancaram-no e se foram, deixando-o quase morto. Aconteceu estar descendo pela mesma estrada um sacerdote. Quando viu o homem, passou pelo outro lado. E assim também um levita; quando chegou ao lugar e o viu, passou pelo outro lado. Mas um samaritano, estando de viagem, chegou aonde se encontrava o homem e, quando o viu, teve piedade dele. Aproximou-se, enfaixou-lhe as feridas, derramando nelas vinho e óleo. Depois colocou-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e cuidou dele. No dia seguinte, deu dois denários ao hospedeiro e lhe disse: 'Cuide dele. Quando eu voltar, pagarei todas as despesas que você tiver'. "Qual destes três você acha que foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?" "Aquele que teve misericórdia dele", respondeu o perito na lei. Jesus lhe disse: "Vá e faça o mesmo". (Lucas 10:29-37)

Neste tempo era considerado perigoso viajar pois quando um bando de ladrões atacava uma pessoa, dificilmente ela conseguia escapar. Foi isso o que aconteceu com o homem da parábola. Quando o sacerdote desponta na parábola, inicialmente parece ser uma indicação de esperança. Naturalmente esperava-se que um religioso ajudasse o coitado que estava ferido. Mas ele passou direto! Preferiu seguir pelo lado oposto da estada. Quando o levita, outro religioso, aparece na parábola, ele também não prova ser melhor que o sacerdote.

Somente o considerado impuro e incrédulo, aos olhos dos dois primeiros, parou para ajudar. Neste momento podemos observar que existem muitas “pessoas” que só possuem discurso e pouca prática em relação a defesa da liberdade individual. E assim como o Samaritano, temos exemplo de vários indivíduos que mesmo não possuindo vastos conhecimentos já biscam viver suas vidas separada da escravidão estatal. E quanto mais humilde a pessoa, mais ela busca atender suas necessidades para sobrevivência com menos coerção do estatal.

"Qual de vocês, se quiser construir uma torre, primeiro não se assenta e calcula o preço, para ver se tem dinheiro suficiente para completá-la? Pois, se lançar o alicerce e não for capaz de terminá-la, todos os que a virem rirão dele, dizendo: 'Este homem começou a construir e não foi capaz de terminar'. Lucas 14:28-30

"Ou, qual é o rei que, pretendendo sair à guerra contra outro rei, primeiro não se assenta e pensa se com dez mil homens é capaz de enfrentar aquele que vem contra ele com vinte mil? Se não for capaz, enviará uma delegação, enquanto o outro ainda está longe, e pedirá um acordo de paz”. Lucas 14:31-32

O Senhor Jesus usou duas cenas distintas em seu ensino. Primeiro, na Parábola do Construtor da Torre, na qual utilizou o cenário rural e a vida no campo. Depois, na Parábola do Rei Guerreiro, o cenário passou a ser o palácio e as decisões militares.

Na Parábola do Construtor da Torre, Jesus supõe a construção de uma torre em uma fazenda. O texto não explica que tipo de torre seria essa. Poderia ser uma torre de vigia para o fazendeiro proteger seu campo, ou uma torre para armazenagem de ferramentas e suprimentos que também poderia ser utilizada como residência temporária. Considerando a ênfase dada por Jesus ao custo da torre, é provável que a última possibilidade seja a mais correta, já que uma simples torre de vigia em uma vinha tinha um custo muito menor do que um tipo de edifício agrícola.

Todavia, Jesus ensina que se não for feito um planejamento correto dos custos da construção os recursos poderão acabar antes que o empreendimento esteja completo, então todo o respeito, prestígio e valorização que tal torre poderia trazer ao fazendeiro se perderia, e em vez disso ele será alvo de chacota e ganhará fama de imprudente.

Já na Parábola do Rei Guerreiro, Jesus fala da avaliação estratégica que deve ser feita por um rei antes de entrar em batalha, a fim de analisar se com seu exército de 10 mil soldados poderá enfrentar um exército que possui o dobro do tamanho do seu.

Para entendermos esse ensino não podemos anular o contexto dessa parábola. Jesus pronunciou essas palavras para uma multidão infestada de seguidores superficiais. Todavia, o ensino prossegue e Jesus mostra que não existe a possibilidade da neutralidade, ensinando então três princípios claros:

· É preciso ponderar e planejar antes de tomar a ação;

· Mas é necessário que a ação seja tomada;

· Porém, é preciso tomar a ação da maneira correta, isto é, partir para a direção certa, e estar disposto a ceder.

Neste cenário fica claro que uma pessoa antes de decidir se emancipar do julgo estatal deve assim como fazendeiro e o rei fazer as contas e avaliar se ele realmente possui as condições necessárias para viver à margem do estado e assim saber que pode a qualquer momento ser responsabilizado por suas decisões.

"Portanto, quem ouve estas minhas palavras e as prática é como um homem prudente que construiu a sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, e ela não caiu, porque tinha seus alicerces na rocha. Mas quem ouve estas minhas palavras e não as práticas é como um insensato que construiu a sua casa sobre a areia. Caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, e ela caiu. E foi grande a sua queda". Mateus 7:24-27

A mensagem da parábola é que o construtor prudente é o que constrói a casa sobre uma base sólida. Todas as pessoas estão diariamente acrescentando tijolos. A estrutura vai sendo edificada em cada palavra, pensamento, desejo, atitude e a cada realização. Porém, as pessoas não são iguais, alguns são prudentes, outros insensatos. Então quando alguém depois de fazer as contas e decidir em se tornar mais livre deve sempre buscar uma base sólida para edificação desta nova vida.

A alguns que confiavam em sua própria justiça e desprezavam os outros, Jesus contou esta parábola: "Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu e o outro, publicano. O fariseu, em pé, orava no íntimo: 'Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens: ladrões, corruptos, adúlteros; nem mesmo como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho'. "Mas o publicano ficou a distância. Ele nem ousava olhar para o céu, mas batendo no peito, dizia: 'Deus, tem misericórdia de mim, que sou pecador'. "Eu digo que este homem, e não o outro, foi para casa justificado diante de Deus. Pois quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado". Lucas 18:9-14

Os personagens dessa parábola são: o fariseu (religioso, assim como na parábola do Bom Samaritano e o publicano, considerado impuro como o samaritano). Os fariseus consistiam em um partido religioso dos judeus que era radicalmente conservador. Seus integrantes se orgulhavam por se acharem os únicos dignos e cumpridores da Lei e das tradições. Já os publicanos formavam um grupo profissional da época e que era empregado dos romanos. Eles exerciam a função de cobrar os impostos e taxas alfandegárias. Os publicanos eram desprezados pelos demais judeus, especialmente pelos fariseus. O motivo disso é que eles eram considerados traidores e corruptos. Diferentemente dos fariseus, os publicanos não andavam pelas sinagogas. Quando desejavam orar, eles procuravam a área externa do Templo a qual tinham acesso por serem judeus. Foi exatamente isto que fez o publicano da parábola de Jesus.

Portanto, o fariseu, da parábola, muito provavelmente procurou um lugar de destaque; talvez o mais próximo possível do santuário real no Templo. Ele orou em pé, olhando para o céu. Mas na verdade estava falando de si consigo mesmo. E seus elogios eram dirigidos ao seu próprio ego e para se demonstrar superior aos demais que ouviam. Assim sendo muito parecido com grandes intelectuais que usam do conhecimento da oratória, mas para demonstrar um dom que o separava dos demais e por isso deveria ser ouvido e invejado.

Já o fariseu, assim como os verdadeiros libertários, não focava em se comparar com às outras pessoas e que percebia suas falhas. A oração do publicano foi muito diferente da oração do fariseu. Ele se postou à distância. Ao contrário do fariseu, ele não queria ser visto, apenas desejava desesperadamente o perdão de Deus. O peso e a vergonha por seus pecados fizeram com que ele nem mesmo se atrevesse a olhar para o céu.

Jesus então declarou que foi o publicano, e não o fariseu, que voltou para a casa justificado. Ele conseguiu o que tanto desejava, a paz repousou sobre ele. O Senhor concluiu essa parábola com uma frase muito apropriada, cujo princípio também presente em várias outras passagens bíblicas: “Porque qualquer que a si mesmo se exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado”. Isso significa que a pessoa que se considera completa, pouco tem o que acrescentar em relação a propagação das ideias da liberdade. Já o homem que admitiu viver na forma errada, tem a oportunidade de crescer e junto com seus próximos a constituírem alianças libertárias.

Então contou esta parábola: "Um homem tinha uma figueira plantada em sua vinha. Foi procurar fruto nela, e não achou nenhum. Por isso disse ao que cuidava da vinha: 'Já faz três anos que venho procurar fruto nesta figueira e não acho. Corte-a! Por que deixá-la inutilizar a terra?' "Respondeu o homem: 'Senhor, deixe-a por mais um ano, e eu cavarei ao redor dela e a adubarei. Se der fruto no ano que vem, muito bem! Se não, corte-a' ". Lucas 13:6-9

Considerando o contexto apresentado acima, não é difícil entendermos a Parábola da Figueira Estéril. Jesus contou nessa parábola que um homem tinha uma figueira planta em sua vinha, e quando foi procurar fruto nessa figueira ele não encontrou. Era comum entre os judeus que figueiras fossem plantadas em vinhas. Isso também significa que quando plantadas nas vinhas, as figueiras recebiam cuidados especiais.

Aqui percebemos que aquela árvore não era apenas inútil, ela era pior do que isto. Além de não produzir fruto a figueira estéril causava prejuízo, pois ocupava o espaço no solo que poderia ser utilizado de uma forma melhor e suas raízes absorviam os nutrientes da terra prejudicando as demais plantas que estavam ao seu redor.

Então o homem que cuidava da vinha pediu para que o proprietário tivesse só mais um pouco de paciência, e esperasse mais um ano. Durante esse prazo ele iria adubá-la e se ela não produzisse fruto a figueira poderia ser cortada.

Nesta parábola podemos traçar um paralelo com as pessoas que atual estão buscando aprender sobre mais sobre liberdades individuais, mas passando o tempo não conseguem desenvolver frutos e por isso devam ser arrancadas pois elas estão ocupando espaço e atrapalhando outras a se desenvolverem.

O interessante é que em todas as parábolas as reflexões são voltadas para atitudes individuais e não no coletivo. Então quando uma pessoa decidir ser livre, ela deve entender que suas ações são individuais e seu raio de ação é em relação as pessoas próximas a elas. Ninguém tem a missão de sozinho mudar o mundo, mas sim de entender a situação e procurar melhorar suas atitudes e assim melhorar a própria vida e consequentemente a vida daqueles que o cercam.

Sendo assim podemos voltar ao pensamento de Nozick para quem os direitos das pessoas não podem ser suprimidos, sem o seu consentimento, ainda que em prol de um suposto resultado mais favorável a um grupo de pessoas. Na verdade, a liberdade de cada indivíduo é igual, inexistindo qualquer superioridade moral de quem quer que seja.