MAAS E A TRANSFORMAÇÃO DIGITAL DO TRANSPORTE PÚBLICO
O MaaS – Mobilidade como serviço é herói ou vilão em relação a transformação digital do transporte público?
A resposta não é simples pois depende da capacidade de alinhar as metas de resultados das empresas participantes com o interesse público, neste caso representado pelas autoridades e operadores locais de transporte público. Sendo assim é provável que essas partes tenham objetivos conflitantes. Portanto, há um alto risco de conflitos.
O MaaS tem como um dos seus principais objetivos o de motivar as pessoas a abandonar seus carros e, em vez disso, mudar para serviços de mobilidade mais eficientes. Com maior eficiência nos deslocamentos, o MaaS então reduzirá custos, congestionamentos, poluição do ar, ruído, acidentes, melhorando a mobilidade e liberando novos espaços urbanos atualmente ocupados por estacionamentos. O que na primeira avaliação poderia gerar um efeito muito positivo para o transporte público.
Porém, para as empresas privadas participantes, os benefícios acima mencionados são de natureza secundária, pois como todas as empresas, elas precisam lucrar para sobreviver no mercado – ou ainda precisam atingir metas agressivas de crescimento e participação de mercado, quando são alavancadas por capital de risco.
Já os operadores de transporte público (OTP) estão acostumados a uma situação monopolista e agora tem seus mercados sendo reduzidos pelos novos participantes. Apesar deles em geral não concordar com a atual evolução da mobilidade – dada a sua tomada de decisão extremamente lenta e orientada para a política pública, eles não têm nenhuma chance de competir com empresas ágeis, de capital de risco e de alto perfil.
Sendo assim a cooperação mútua e benéfica em uma parceria público-privada (PPP) será o salva-vidas dos OTPs e pode tornar o MaaS um sucesso para a sociedade e as empresas participantes. Isso exige que as OTPs e autoridades de transporte público ajam em favor de:
Ter os desejos das pessoas de se deslocar como ponto central das decisões
Buscar otimizar os serviços de mobilidade para não gerar entre eles uma concorrência que poderá provocar ineficiência ao sistema
Isso exigirá uma mudança de mentalidade e algumas “mudanças organizacionais” para as autoridades públicas e operadores de transporte público. A boa notícia é que existem várias cidades no mundo que já fizeram experiências boas e ruins para aprender. Portanto, não há necessidade de perder tempo e cometer os mesmos erros novamente.
Sabe-se também que os serviços de transporte de passageiros por aplicativos, como Uber ou 99, já estão solidificados na nossa sociedade e que atraem mais clientes de transporte público, portanto, claramente “canibalizam” o transporte público. Em algumas cidades, isso pode levar a uma menor utilização de ônibus, trens e metrôs e a um aumento significativo do tráfego, congestionamentos e emissões relacionados, conforme descrito, por exemplo, no relatório de Bruce Schaller sobre “ Lyft, Uber e o futuro das cidades americanas.”.
O mini-ônibus CityBus 2.0 da HP Transportes (Goiânia-GO) poderia ser um modelo com uma abordagem que, por design, não canibaliza o transporte público: ele age apenas como um “serviço complementar”, ou seja, tem como objetivo pegar passageiros dos serviços de transporte por aplicativo em viagens de curta distância.
Outra visão interessante sobre a canibalização corporativa vem do Uber e do seu serviço eBike, recentemente adquirido, JUMP . De acordo com um gerente da Uber, a empresa perde dinheiro em viagens de curta distância até cinco quilômetros. Esta distância é ideal para passeios de scooter elétrico ou de bicicleta. Ao adicionar JUMP-Bikes ao aplicativo de passageiros, o Uber reduz seus passeios de curta distância não rentáveis e cria negócios lucrativos para o JUMP de uma só vez. Gerando assim mais valor para seus clientes e aumentando a sua atratividade frente ao transporte público. Esta ação demonstra a intenção do Uber em criar uma ecossistema MaaS exclusivo dele.
Portanto, é de extrema urgência que os OTPs promovam a transformação digital do transporte público, ou seja, que desenvolvam um processo no qual as empresas operadoras utilizem da tecnologia para agregar valor aos usuários, melhorar o desempenho, aumentar o alcance e garantir resultados melhores. Vale ressaltar que isto exige uma mudança estrutural nas organizações dando um papel essencial para a tecnologia e não somente a aquisição de software e hardware. Ou os operadores de transporte público se transformam ou terão o mesmo fim da Kodak e Blockbuster