STF, XADREZ 4D & POMBOS

A grande discussão desse início do mês de dezembro foi o julgamento no STF da possibilidade de reeleição para presidente da Câmara dos Deputados e do Senado. O resultado de 6x5 em favor de respeitar o texto constitucional que é explicito em vedar esta possibilidade foi até certo ponto comemorado (olha o ponto que chegamos nesta ditadura do judiciário).

Mas um voto que era muito esperado e chamava a atenção foi o do recém empossado ministro Kassio Nunes Marques, todos estavam ansiosos para ver como votaria o primeiro indicado do presidente Bolsonaro. E infelizmente ocorreu uma surpresa negativa, o novo ministrou vou junto com o ministro Gilmar Mendes em desrespeitar o texto constitucional.

Tal situação gerou um grande conflito, dentro da direita brasileira, de um lado a “direita burra” (termo criado pelo próprio presidente quando nomeou o ministro) e a “direita pombo” (que defende o presidente em todos os seus posicionamentos e se forem confrontados agem que nem pombos num jogo de xadrez, este grupo também criou a acunha Xadrez 4D para tentar explicar o inexplicado).

Sendo assim, o propósito deste texto é reforçar um posicionamento quanto pertencente a Direita Burra ao afirmar que infelizmente o nosso amado e respeitável presidente cometeu um erro grave ao indicar o ministro Kassio Nunes ao STF. Tal situação me lembra uma famosa frase do grande Roberto Campos:

"O bem que o Estado pode fazer é limitado; o mal, infinito. O que ele nos pode dar é sempre menos do que nos pode tirar."

Então fica claro que mesmo sendo bem intencionado o presidente pode ter sido forçado (por situações não conhecidas do público em geral) em fazer esta indicação e sabemos que para governar é preciso fazer concessões, mas isto não exime das consequências de uma decisão ruim.

E qual foi o erro do Kassio Nunes? Eu li na internet que ele foi estratégico e seu voto mudou a história da votação (ler o artigo: A "bofetada" de Kassio ou assistir o vídeo Direita Burra Vs. Kassio Nunes e o voto para reeleição de Maia e Alcolumbre). E isto demonstra um grande equivoco pois o maior problema não seria liberar ou não a reeleição do Maia ou de criar um argumento em proibir a reeleição de Maia pois isto provocaria a reeleição infinita do Bolsonaro (ler o voto do Kassio Nunes), como transcrito abaixo:

“Se o Presidente da República pode ser reeleito uma única vez – corolário do princípio democrático e republicano – por simetria e dever de integridade, este mesmo limite deve ser aplicado aos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.”

Tal argumentação foi usada pela Direita Pombo como uma jogada de mestre pelo grande enxadrista 4D Kassio Kasparov Nunes pois teria deixado o STF sem condições de prosseguir o voto pois daria a possibilidade de infinitas reeleições para Bolsonaro o que seria o maior terror para turma da esquerda.

Mas a principal questão deste voto não era a reeleição dos presidentes das casas legislativa e sim a possibilidade do STF em alterar por meio do plenário um texto constitucional e isto seria um golpe e abriria uma verdadeira caixa de Pandora para os poderes da Suprema Corte Tupiniquim. E foi este aspecto que o voto do Kassio Nunes foi trágico. Leiam:

“A mutação constitucional está diretamente atrelada à interpretação sistêmica das normas constitucionais correlacionadas às mudanças fáticas ocorridas no âmbito da sociedade. Desse modo, a revisão direta de determinados artigos da Constituição pode produzir revisão indireta de outros de seus dispositivos, por tornar necessária a atualização de sua interpretação.”

Em outro ponto o ministro faz uma comparação com a alteração em relação ao funcionamento das Casas Legislativas com o texto constitucional que trata a família formada por homem e mulher.

“Não há exatamente novidade aqui. O Supremo Tribunal Federal já invocou a mutação constitucional para justificar interpretações que colocam em segundo plano a literalidade do texto, de modo a albergar alguma mudança fática relevante ocorrida no contexto social. O exemplo mais flagrante de superação da literalidade do texto foi o caso da união homoafetiva, em que o Tribunal considerou irrelevante a expressão “o homem e a mulher” contida no art. 226, §3º da Constituição Federal, diante das notórias modificações ocorridas nos costumes sociais, para admitir a união entre pessoas do mesmo sexo (ADI 4277/DF, Relator Ministro Ayres Britto, julgada em 05/05/2011).”

E por último a palavra mais impactante do voto do ministro Kassio Nunes – inovação interpretativa:

“É por isso que admito a inovação interpretativa adotada pelo Relator, como parte de um romance em cadeia, segundo o qual é possível nova eleição subsequente para o mesmo cargo na Mesa Diretora, independentemente se na mesma ou em outra legislatura. Contudo, desacolho a possibilidade de reeleição para quem já está na situação de reeleito consecutivamente , sob pena de ser quebrada a coerência que dá integridade ao Direito e ser aceita, na verdade, reeleição ilimitada, que não tem paralelo na Constituição Federal.”

E para concluir o texto gostaria de fazer a seguinte reflexão tendo como base o pensamento de Mises que “qualquer ação é uma tentativa para substituir uma situação menos satisfatória por uma mais satisfatória”. O que torna algo satisfatório, o que cada indivíduo prefere e deseja, ninguém poderia ter a pretensão de saber. O que Mises nos faz refletir é que, seja o que for que desejarem, os indivíduos tentarão obter. O ser humano não buscará jamais obter o contrário do que deseja, sair de uma situação confortável para uma em que o estaria menos; todos os meios que movimentar, tudo aquilo com o que e sobre o que “agir”, tenderá a buscar um estado de coisas em que esteja mais confortável do que estava antes.

Portanto, nunca saberemos qual a foi motivação de Bolsonaro em escolher Kassio Nunes mas sabemos que é uma situação que o deixou mais confortável. E também não saberemos o que levou o Kassio Nunes em se alinhar com Gilmar Mendes mas podemos afirmar que ele ficou mais confortável. E tal analogia vale para entendermos os posicionamentos da Direita Burra insatisfeita com Kassio Nunes e a Direita Pombo em acreditar na infalibilidade do presidente.

E nunca podemos esquecer que: “O governo não passa de um aglomerado de burocratas e políticos, que almoçam poder, promoção e privilégios. Somente na sobremesa pensam no ‘bem comum.” (Roberto Campos)

Referências

Campos, Roberto. LIBERALISMO: Roberto Campos em sua melhor forma (Coleção Economia Política) (Locais do Kindle 340-342). Lebooks Editora. Edição do Kindle.

von Mises, Ludwig. Liberalismo (Locais do Kindle 460-463). LVM Editora. Edição do Kindle.

Corrêa, Lucas Berlanza. Guia Bibliográfico da Nova Direita: 39 livros para compreender o fenômeno brasileiro (Locais do Kindle 201-208). Edição do Kindle.