A Melhor Solução para a Descarbonização do Transporte Coletivo no Brasil: Ônibus Movidos a Biometano
Miguel Angelo Pricinote Subsecretário de Políticas para Cidades e Transporte no Governo de Goiás | Especialista em Transportes Urbanos. 18 de março de 2025
A descarbonização do transporte coletivo é um dos principais desafios enfrentados pelo Brasil na busca por um futuro mais sustentável. Com uma frota de ônibus que ainda depende majoritariamente do diesel, o setor de transporte é um dos maiores emissores de gases de efeito estufa (GEE) no país. Diante desse cenário, a transição para tecnologias mais limpas e eficientes é urgente. Entre as opções disponíveis, os ônibus movidos a biometano se destacam como a solução mais viável e eficaz para a descarbonização do transporte coletivo no Brasil, enquanto os ônibus elétricos, embora promissores, enfrentam desafios significativos que limitam sua aplicação em larga escala.
Biometano: Uma Solução Pronta e Sustentável
O biometano é um gás renovável produzido a partir da purificação do biogás, que pode ser gerado a partir de resíduos orgânicos, como lixo urbano, efluentes de esgoto, resíduos agrícolas e dejetos animais. Essa característica faz do biometano uma fonte de energia limpa e sustentável, capaz de reduzir as emissões de GEE em até 90% em comparação com o diesel. Além disso, o biometano é uma solução "drop-in", ou seja, pode ser utilizado em motores a gás natural sem necessidade de adaptações significativas, o que facilita sua adoção em frotas já existentes.
No Brasil, o potencial de produção de biometano é vasto, especialmente em regiões com forte presença da agroindústria, como o estado de Goiás. Segundo o Atlas do Biogás de Goiás, o estado tem um potencial de produção de biogás de 2,2 bilhões de m³ por ano, o que equivale a um potencial energético de 331,8 mil GWh/ano. Esse volume seria suficiente para abastecer uma frota significativa de ônibus urbanos, contribuindo para a redução das emissões de carbono e para a melhoria da qualidade do ar nas cidades.
Um exemplo prático dessa transição pode ser visto em Goiânia, onde ônibus movidos a biometano já começaram a circular no sistema BRT Leste-Oeste. O projeto é um marco importante na descarbonização do transporte coletivo no Brasil. Além de reduzir as emissões de GEE, o uso do biometano também contribui para a gestão sustentável de resíduos, transformando um problema ambiental em uma solução energética.
Vantagens do Biometano em Relação aos Ônibus Elétricos
Embora os ônibus elétricos sejam frequentemente apontados como a solução ideal para a descarbonização do transporte coletivo, eles enfrentam uma série de desafios que limitam sua aplicação em larga escala no Brasil. Entre esses desafios, destacam-se os altos custos de aquisição, a questão do descarte das baterias e a baixa autonomia.
1. Custos de Aquisição: Os ônibus elétricos têm um custo inicial significativamente mais alto do que os ônibus movidos a biometano. Enquanto um ônibus elétrico pode custar até três vezes mais que um ônibus a diesel ou a gás natural, os ônibus movidos a biometano têm um custo de aquisição mais próximo ao dos veículos tradicionais, tornando-os uma opção mais acessível para as operadoras de transporte público.
2. Descarte das Baterias: As baterias dos ônibus elétricos têm uma vida útil limitada e, após o fim de seu ciclo de vida, precisam ser descartadas de forma adequada. O descarte inadequado dessas baterias pode causar sérios impactos ambientais, devido à presença de metais pesados e outros componentes tóxicos. Além disso, o processo de reciclagem das baterias ainda é caro e complexo, o que aumenta os custos operacionais dos ônibus elétricos.
3. Baixa Autonomia: A autonomia dos ônibus elétricos é outro fator limitante. Em rotas urbanas extensas, os ônibus elétricos podem precisar de recargas frequentes, o que pode comprometer a eficiência operacional do sistema de transporte. Já os ônibus movidos a biometano têm uma autonomia comparável à dos veículos a diesel, podendo operar por longos períodos sem necessidade de reabastecimento.
4. Infraestrutura de Recarga: A implantação de uma infraestrutura de recarga para ônibus elétricos é um desafio logístico e financeiro significativo. Em cidades com redes elétricas já sobrecarregadas, a demanda adicional por energia para recarregar frotas inteiras de ônibus elétricos pode ser um obstáculo difícil de superar. Por outro lado, a infraestrutura para abastecimento de biometano é mais simples e pode ser adaptada a partir da infraestrutura existente para gás natural.
Biometano vs. Eletrificação: Uma Comparação Necessária
A comparação entre biometano e eletrificação no transporte coletivo não se limita apenas aos custos e à infraestrutura. Do ponto de vista ambiental, o biometano também apresenta vantagens significativas. Estudos mostram que, considerando todo o ciclo de vida do veículo, incluindo a produção de energia e o descarte de resíduos, os ônibus movidos a biometano podem ter um impacto ambiental menor do que os ônibus elétricos, especialmente em países onde a matriz energética ainda depende fortemente de fontes fósseis, como o carvão e o gás natural.
No Brasil, embora a matriz elétrica seja majoritariamente renovável, a geração de energia para recarregar frotas de ônibus elétricos ainda pode contribuir para a emissão de GEE, dependendo da fonte de energia utilizada. Além disso, a produção de baterias para veículos elétricos envolve a extração de minerais como lítio, cobalto e níquel, atividades que têm um alto impacto ambiental e social, especialmente em países em desenvolvimento.
Por outro lado, o biometano é produzido a partir de resíduos que, de outra forma, seriam descartados ou liberariam metano na atmosfera, um gás com um potencial de aquecimento global 28 vezes maior que o CO₂. Ao transformar esses resíduos em energia, o biometano não apenas reduz as emissões de GEE, mas também contribui para a gestão sustentável de resíduos.
O Papel do Biometano na Transição Energética
A transição para um transporte coletivo mais sustentável não deve ser vista como uma escolha entre biometano e eletrificação, mas sim como uma combinação de soluções que se complementam. No entanto, no contexto brasileiro, o biometano emerge como a opção mais viável e imediata para a descarbonização do transporte coletivo. Sua adoção pode ser feita de forma gradual, sem a necessidade de investimentos massivos em infraestrutura, e com benefícios ambientais e econômicos tangíveis.
Além disso, o biometano pode ser uma ponte importante para a futura adoção de outras tecnologias, como a eletrificação. Enquanto os ônibus elétricos ainda enfrentam desafios técnicos e econômicos, o biometano pode ser a solução que permite uma redução imediata das emissões de GEE, preparando o terreno para uma transição mais ampla no futuro.
Conclusão
A descarbonização do transporte coletivo no Brasil é um desafio complexo, mas também uma oportunidade única para promover a sustentabilidade e a inovação. Entre as opções disponíveis, os ônibus movidos a biometano se destacam como a solução mais viável e eficaz, oferecendo uma redução significativa das emissões de GEE, custos mais acessíveis e uma infraestrutura de abastecimento mais simples de ser implementada.
Enquanto os ônibus elétricos ainda enfrentam desafios significativos, como altos custos de aquisição, problemas com o descarte de baterias e baixa autonomia, o biometano surge como uma solução pronta e sustentável, capaz de transformar resíduos em energia e contribuir para a gestão ambiental das cidades. A experiência de Goiânia com o BRT Leste-Oeste é um exemplo claro de que o biometano não é apenas uma alternativa teórica, mas uma realidade que já está em funcionamento e trazendo benefícios reais.
Portanto, a priorização do biometano como solução para a descarbonização do transporte coletivo no Brasil não é apenas uma escolha técnica, mas também uma decisão estratégica que pode acelerar a transição para um futuro mais sustentável e inclusivo.