A Ilusão das Soluções Superficiais na Mobilidade Urbana: Uma Análise Crítica
Miguel Angelo Pricinote , Subsecretário de Políticas para Cidades e Transporte no Governo de Goiás | Especialista em Transportes Urbanos. Publicado em 16 de agosto de 2023
A recente pesquisa da CNI - Confederação Nacional da Indústria sobre mobilidade urbana revela uma abordagem superficial e míope ao tentar entender os obstáculos que levam as pessoas a evitar o transporte público. A ênfase na redução de preço da tarifa, diminuição do tempo de espera e aumento da segurança como principais fatores para atrair não usuários de transporte público parece ignorar a complexidade das decisões individuais e coletivas envolvidas nesse contexto.
A análise dos dados dessa pesquisa, embora possa parecer esclarecedora à primeira vista, carece de uma compreensão mais profunda das dinâmicas que influenciam as escolhas de transporte. A comparação simplista entre atributos do carro e do ônibus não aborda as nuances da mobilidade urbana.
A atribuição de uma redução de 25% na tarifa como o principal fator para atrair não usuários de transporte público ignora a natureza multifacetada do problema. A escolha do meio de transporte não é puramente baseada no custo direto da tarifa, mas sim em uma interação complexa de fatores como conforto, conveniência, tempo de viagem, eficiência e qualidade do serviço.
Além disso, a pesquisa também destaca a "maior brevidade" como um estímulo para usar mais o transporte público, mas essa noção não é explorada adequadamente. A pontualidade e eficiência dos sistemas de transporte público são aspectos cruciais que frequentemente são negligenciados, e a pesquisa não explora como esses fatores podem ser melhorados para atrair mais usuários.
Outra questão que não recebe a devida atenção é a comparação entre as opções de transporte coletivo. A pesquisa apenas considera os atributos isolados dos diferentes meios de transporte, sem considerar como a interação entre eles afeta as escolhas dos usuários. Por exemplo, a alta utilização de carros por aplicativos e a baixa classificação dos ônibus podem estar relacionadas à falta de integração eficaz entre os diferentes modos de transporte.
Além disso, o foco limitado na opinião dos entrevistados sobre os meios de transporte, sem uma análise mais aprofundada das barreiras estruturais e culturais que afetam as escolhas de transporte, reduz a validade das conclusões da pesquisa. A melhoria da segurança para ciclistas é apontada como um estímulo para usar mais bicicletas, mas a pesquisa não explora as mudanças necessárias na infraestrutura viária e nas atitudes dos motoristas para tornar isso uma realidade.
Em última análise, a pesquisa da CNI peca ao subestimar a complexidade da mobilidade urbana e ao oferecer soluções superficiais para um problema intrincado. Abordar efetivamente as razões subjacentes pelas quais as pessoas optam por não usar o transporte público requer uma análise mais holística, levando em consideração não apenas fatores econômicos, mas também questões sociais, culturais e infraestruturais que moldam as escolhas de transporte nas cidades brasileiras.