Como o semipelagianismo contaminou o catolicismo romano e como a reforma protestante principalmente Calvino trouxe as verdades defendidas por Agostinho de Hipona 

O semipelagianismo foi uma controvérsia teológica que surgiu no século V e que teve um impacto significativo sobre o catolicismo romano da época. Ele se originou na região da Gália, atual França, e se baseava em uma visão intermediária entre o pelagianismo e o agostinianismo.

O pelagianismo, uma heresia condenada pela Igreja Católica, defendia que a natureza humana não estava afetada pelo pecado original e que a salvação podia ser alcançada apenas por meio do esforço humano, negando assim a necessidade da graça divina. Agostinho de Hipona, um dos principais teólogos da Igreja, refutou vigorosamente essa visão e afirmou a total dependência da graça de Deus para a salvação.

No entanto, mesmo após a condenação do pelagianismo, surgiram aqueles que sustentavam uma posição intermediária, conhecida como semipelagianismo. Essa visão afirmava que a graça divina era necessária para a salvação, mas também afirmava que a iniciativa para buscar a salvação partia do ser humano. Ou seja, enquanto o pelagianismo negava a necessidade da graça, o semipelagianismo afirmava a importância da graça, mas colocava o ser humano como iniciador do processo de busca por Deus.

Essa visão semipelagiana gradualmente se infiltrou no catolicismo romano da época, influenciando a prática e a teologia da Igreja. Por exemplo, a ideia de que o ser humano pode, por sua própria vontade, iniciar o processo de salvação levou ao enfraquecimento da ênfase na soberania divina e na absoluta necessidade da graça.

No entanto, no século XVI, a Reforma Protestante trouxe uma redescoberta das verdades defendidas por Agostinho de Hipona. Martinho Lutero, João Calvino e outros reformadores voltaram-se para as obras de Agostinho e defenderam vigorosamente sua teologia reformada. Calvino, em particular, foi profundamente influenciado por Agostinho em sua visão da soberania de Deus, da depravação total do ser humano e da predestinação.

Calvino afirmava que a salvação era totalmente obra da graça divina, e que a iniciativa e a capacidade de buscar a Deus eram concedidas pelo próprio Deus. Ele rejeitou veementemente a visão semipelagiana e defendeu que a salvação era inteiramente pela graça, desde o início até o fim.

Assim, a Reforma Protestante, especialmente através das doutrinas defendidas por Calvino, trouxe uma recuperação das verdades agostinianas sobre a soberania de Deus e a necessidade da graça divina na salvação. A reforma foi um retorno à ênfase na graça de Deus como a única causa eficiente da salvação, em contraste com o semipelagianismo que havia contaminado o catolicismo romano.

Atualmente, é possível identificar influências do semipelagianismo em algumas igrejas evangélicas, embora seja importante ressaltar que nem todas as igrejas evangélicas são afetadas por essa contaminação. O semipelagianismo pode se manifestar de diferentes maneiras e graus, e sua presença pode ser mais evidente em certos movimentos e ensinamentos teológicos.

Uma das formas de contaminação do semipelagianismo nas igrejas evangélicas está relacionada ao sincretismo entre o evangelho bíblico e a cultura contemporânea. Em alguns casos, a ênfase é colocada na capacidade humana de buscar a Deus e conquistar a salvação, minimizando a necessidade da graça divina. Isso pode resultar em uma ênfase excessiva na autonomia e no livre-arbítrio do ser humano, em detrimento da soberania de Deus na obra da salvação.

Essa visão semipelagiana também pode estar relacionada ao arminianismo, que é uma teologia que enfatiza o livre-arbítrio humano e a cooperação entre a graça divina e a vontade humana na salvação. Embora nem todos os arminianos sejam semipelagianos, existe uma sobreposição teológica entre as duas perspectivas. O arminianismo enfatiza a responsabilidade e a participação humana na resposta à graça divina, o que pode abrir margem para uma visão mais inclinada ao semipelagianismo.

Outra influência relacionada é a doutrina da prosperidade, que é um movimento teológico que enfatiza a bênção material e financeira como parte integrante da vontade de Deus para a vida dos crentes. Embora nem todos os defensores da doutrina da prosperidade sejam semipelagianos, há uma conexão entre a ênfase na conquista material e a ideia de que a fé e os esforços humanos podem determinar a bênção divina. Essa visão pode minimizar a dependência da graça de Deus e favorecer uma mentalidade de autoajuda e conquista pessoal, que são características do semipelagianismo.

É importante ressaltar que nem todas as igrejas evangélicas adotam essas perspectivas semipelagianas, e muitas igrejas evangélicas continuam a manter uma visão bíblica da salvação pela graça mediante a fé em Cristo Jesus. No entanto, é necessário discernimento teológico e uma atenção cuidadosa para evitar a contaminação de perspectivas teológicas que minimizem a graça divina e exaltem a capacidade e o esforço humano na busca por Deus.

As afirmações "Uma vez salvo, salvo para sempre" e "é impossível perder a salvação" estão alinhadas com a teologia reformada de João Calvino e têm fundamentos nas ideias de Agostinho de Hipona. Vamos analisar essas afirmações à luz dessas perspectivas teológicas, contrastando-as com o semipelagianismo.

Tanto Calvino quanto Agostinho defendiam a doutrina da perseverança dos santos, que afirma que aqueles que verdadeiramente creem e são regenerados pela graça de Deus são preservados por Ele e não podem perder sua salvação. Essa doutrina se baseia na soberania de Deus, na suficiência da obra de Cristo e na segurança eterna proporcionada pela graça.

Segundo essa perspectiva, a salvação é totalmente obra de Deus, desde o início até o fim. Deus, em Sua graça, elege e predestina os crentes para a salvação, justifica-os pela fé em Jesus Cristo e os santifica pelo poder do Espírito Santo. Essa obra redentora é completa e irrevogável, não dependendo das obras ou méritos humanos. Portanto, uma vez que uma pessoa é verdadeiramente salva, ela está eternamente segura em Cristo.

Essa visão contrasta com o semipelagianismo, que coloca uma ênfase na capacidade humana de cooperar com a graça divina para buscar e manter a salvação. De acordo com o semipelagianismo, a iniciativa para buscar a salvação vem do ser humano, e ele pode perder sua salvação se não continuar a cooperar com a graça de Deus. Essa perspectiva enfraquece a soberania de Deus e coloca uma responsabilidade excessiva sobre o indivíduo, abrindo espaço para uma incerteza quanto à salvação.

No entanto, a visão reformada de Calvino e Agostinho enfatiza que é Deus quem inicia, sustenta e conclui a obra da salvação. A segurança eterna daqueles que são salvos está fundamentada na fidelidade e no poder de Deus, não nas suas próprias ações ou méritos. Essa doutrina proporciona uma confiança e uma paz duradoura aos crentes, pois eles sabem que sua salvação está segura nas mãos de Deus.

Em resumo, a afirmação de que "Uma vez salvo, salvo para sempre" e que é "impossível perder a salvação" reflete a doutrina reformada da perseverança dos santos, que se baseia na soberania de Deus e na segurança eterna proporcionada pela graça. Essa perspectiva está alinhada com as ideias de Calvino, Agostinho e a visão contrária ao semipelagianismo.

Conclusão

Diante das influências do semipelagianismo, é essencial voltarmos às verdades defendidas por Agostinho de Hipona e reafirmadas pela teologia reformada de Calvino. A afirmação de que "Uma vez salvo, salvo para sempre" e que é "impossível perder a salvação" está fundamentada na soberania de Deus e na segurança eterna proporcionada pela graça divina. Essa perspectiva oferece paz e confiança aos crentes, destacando que a salvação é obra exclusiva de Deus, não dependendo das ações humanas. É um convite para descansar na obra completa de Cristo, sabendo que nossa salvação está segura em Suas mãos.

Nesse artigo, pudemos perceber como o semipelagianismo contaminou o catolicismo romano, enfraquecendo a ênfase na graça divina, e como a teologia reformada, especialmente a de Calvino, trouxe uma recuperação das verdades defendidas por Agostinho. A segurança da salvação é uma doutrina fundamental, que nos leva a confiar plenamente na obra de Deus em nossa vida, reconhecendo que é Ele quem nos sustenta até o fim.

Dessa forma, podemos perceber a importância de compreender e analisar a teologia à luz das Escrituras, buscando uma perspectiva bíblica e equilibrada sobre a segurança da salvação. A verdadeira segurança eterna está em Deus, que é fiel e capaz de guardar aqueles que são Seus.


Bibliografia

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