Reflexões sobre a Salvação 

Reflexões sobre a Salvação

Certa vez, o renomado pastor R.C. Sproul foi confrontado por um jovem na Filadélfia com a pergunta crucial: "Você está salvo?" Essa simples indagação desencadeou uma reflexão profunda sobre o significado da salvação, algo que muitas vezes passa despercebido em nossas vidas cotidianas.

A Bíblia, obra máxima da revelação divina, nos apresenta a salvação como o tema central de suas páginas. Desde o anúncio do nascimento de Jesus, Ele é proclamado como o Salvador, e a salvação é a essência de Sua missão. Mas salvo do quê? A resposta é encontrada na grandiosidade da compreensão bíblica da salvação.

No contexto bíblico, a salvação vai além de meros livramentos temporais. Ela abrange a ideia de ser resgatado de uma situação perigosa, seja das mãos de inimigos em batalhas, de uma enfermidade grave ou das calamidades que assolam a colheita. O verbo "salvar" transcende a simples preservação física; aponta para a redenção suprema do pecado e a reconciliação com Deus.

A salvação é multifacetada, manifestando-se em diversos tempos verbais. Somos salvos desde a fundação do mundo, continuamos sendo salvos pela obra de Deus na História, vivemos a salvação no presente, estando justificados, e esperamos a consumação final da redenção no futuro. A Bíblia apresenta a salvação como uma realidade que abrange passado, presente e futuro.

Ao explorar a salvação presente, encontramos o conceito de justificação. É crucial entender que a justificação não é apenas um evento isolado, mas um passo específico dentro do plano abrangente da salvação. É o presente contínuo da justificação que nos coloca em um estado justificado diante de Deus.

Entretanto, a grandiosidade da salvação vai além de uma mera ação humana. É uma obra divina, uma operação de resgate realizada por Deus. Os seres humanos não têm o poder de salvar a si mesmos; a salvação é um presente gracioso do Senhor. Ela não apenas nos livra de calamidades terrenas, mas, mais importante ainda, nos poupa da ira divina que certamente virá sobre o mundo.

A Bíblia proclama claramente a realidade de um "dia do Senhor", um dia de julgamento onde todos prestaremos contas diante do tribunal divino. A salvação suprema, concretizada por Cristo, é o meio pelo qual somos poupados desse juízo iminente. É a operação divina que nos resgata da pior calamidade da história da humanidade.

A Grandiosidade de Deus 

Na teologia Reformada, uma percepção crucial é a unidade das obras da Trindade, refletindo a grandiosidade de Deus em Sua ação redentora. Os calvinistas acreditam na colaboração perfeita entre Deus o Pai, Deus o Filho e Deus o Espírito Santo na missão de salvar a humanidade perdida. Esta crença destaca a harmonia divina, rejeitando a ideia de ações isoladas ou conflituosas entre as pessoas da Trindade.

A morte sacrificial de Jesus exemplifica essa união, sendo resultado do amor do Pai pela humanidade. João 3.16 proclama: "Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna". Aqui, vemos a cooperação entre o Pai e o Filho na busca da salvação daqueles que creem. O Pai escolhe e envia o Filho, que expia os pecados daqueles que o Pai escolheu (João 6.37-40).

Essa colaboração não se limita ao Pai e ao Filho; a mesma harmonia se estende ao Filho e ao Espírito Santo. A obra redentora de Jesus não é para toda a humanidade, mas especificamente para aqueles que o Pai escolheu. O Espírito Santo, por sua vez, regenera precisamente aqueles pelos quais Jesus ofereceu sua obra expiatória. Assim, as obras da segunda e terceira pessoas da Trindade se entrelaçam perfeitamente na busca pela salvação.

Essa grandiosa unidade divina na obra redentora também é evidente nas doutrinas da graça, encapsuladas no acróstico TULIP. O TULIP inicia reconhecendo o problema da depravação total do homem. A solução, conforme a visão Reformada, emerge da obra unificada da Trindade. A eleição incondicional, que destaca o propósito soberano do Pai na predestinação, é seguida pela obra expiatória de Jesus, em conformidade com a expiação limitada, para aqueles eleitos pelo Pai. A aplicação soberana desta salvação ocorre através da obra regeneradora do Espírito Santo, ilustrando a graça irresistível.

Ao explorar as doutrinas da graça, percebemos que cada uma delas revela uma faceta da graça divina manifestada por cada pessoa da Trindade. A eleição incondicional reflete a graça do Pai, a expiação limitada revela a graça do Filho, e a graça irresistível destaca a obra graciosa do Espírito Santo.

Portanto, ao contemplarmos a grandiosidade de Deus na unidade da Trindade e Suas obras redentoras, somos levados a reconhecer a perfeição e a harmonia divinas, reveladas de forma magnífica na busca pela salvação da humanidade. O amor, a eleição, a expiação e a regeneração se entrelaçam numa sinfonia celestial, demonstrando a grandiosidade incomparável de Deus na redenção daqueles que creem.

Entretanto, no cenário contemporâneo, observamos um movimento significativo em direção ao retorno às raízes do Evangelho. A busca por uma prática verdadeiramente cristã, individual e socialmente, tem sido um desafio. Uma vez que a nossa visão atual sobre a Graça é limitada, especialmente ao utilizar a TULIP (Total Depravação, Eleição Incondicional, Expiação Limitada, Graça Irresistível, Perseverança dos Santos) como a única medida para determinar se uma igreja é realmente cristã. No entanto, a TULIP é apenas o ponto inicial, um mecanismo para compreender a salvação pessoal, e não a totalidade da teologia contida na Palavra de Deus.

Neste sentido, a grandiosidade de Deus vai além da salvação individual e que a Soberania de Deus se faz presente não apenas na salvação, mas também na condenação e em todos os aspectos da vida. E que, a visão restrita em relação a Soberania de Deus quanto a Salvação faz com que o foco permaneça no eu e no meu, uma ênfase na salvação pessoal. 

A base da vida cristã não se resume em ir somente as igrejas e ouvir ministrações centradas na salvação pessoal, mas na formatação de sociedades cujas culturas estão fundamentadas na aplicação prática da Soberania de Deus. 

Devemos buscar diariamente buscar uma visão mais abrangente, uma compreensão da Soberania de Deus sobre todas as áreas das nossas vidas. A ênfase deve ser na construção de uma "Cidade Sobre o Monte", refletindo a visão cristã de influenciar a cultura e a sociedade de maneira holística.

A verdadeira grandiosidade de Deus se manifesta na aplicação prática do Palavra de Deus por meio da Vontade Divina em todas as esferas da vida. A Reforma genuína não se limita à salvação pessoal, mas busca a transformação da sociedade, refletindo a Soberania de Deus em todas as áreas.

Graça

“A minha graça te basta” (2Coríntios 12:9)

No caminhar da fé, a grandiosidade de Deus se manifesta de maneira notável nas vidas daqueles que O seguem. É nos momentos de humildade e sujeição às provações que a graça divina resplandece, revelando-se como uma fonte inesgotável de consolo e fortaleza. Este testemunho é evidenciado na coragem dos santos que, mesmo diante das adversidades, proclamam com confiança: "mesmo assim confiarei".

O apóstolo Paulo, em suas epístolas, ressalta a importância das tribulações na vida do crente. Em Romanos 5:3-5, ele escreve: "E não somente isto, mas também nos gloriamos nas tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança. Ora, a esperança não confunde, porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo que nos foi dado". Aqui, Paulo destaca que é nas tribulações que a obra transformadora da graça se revela, forjando a perseverança, alimentando a esperança e demonstrando o amor divino.

O texto ressalta que a graça de Deus se torna ainda mais evidente na pobreza e nas provações dos crentes. Ao testemunharmos um andarilho sem abrigo que confia inabalavelmente ou um necessitado que se gloria em Jesus, somos confrontados com a grandiosidade de uma fé que transcende as circunstâncias. O salmista, em Salmo 34:19, proclama: "Muitas são as aflições do justo, mas o Senhor o livra de todas". Essa promessa sustenta os fiéis em meio às dificuldades, mostrando que, no final, a bênção prevalecerá sobre as aparentes adversidades.

A paciência dos santos diante das tormentas da vida é um testemunho do poder da graça divina. Como um farol resistindo à tempestade, a obra do Espírito Santo é fortalecida pelas adversidades. O texto traz à mente a imagem de um farol em alto mar, destacando que somente quando enfrenta as águas tempestuosas podemos discernir sua solidez. Assim também acontece com a obra de Deus em nossas vidas - é nos momentos desafiadores que a verdadeira força e solidez de nossa fé são reveladas.

A exortação para enfrentar as provações com alegria e confiança ressoa com a sabedoria bíblica. Tiago 1:2-4 nos lembra: "Meus irmãos, considerem motivo de grande alegria o fato de passarem por diversas provações, pois vocês sabem que a prova da sua fé produz perseverança. E a perseverança deve ter ação completa, a fim de que vocês sejam maduros e íntegros, sem lhes faltar coisa alguma". Aqui, a perspectiva é de regozijo diante das provações, pois estas são instrumentos de aperfeiçoamento, conduzindo à maturidade espiritual.

A grandeza de Deus é revelada na vida daqueles que enfrentam as provações com fé inabalável. O testemunho dos santos (Hb 11) que permanecem firmes diante das adversidades é um reflexo da suficiência da graça divina. Portanto, que possamos glorificar a Deus em meio às tribulações, confiantes de que Aquele que foi suficiente até agora continuará a ser até o fim.